Por que a obesidade é considerada uma doença?
A obesidade é um tema de saúde pública que há muito tempo ultrapassou os limites da aparência física ou do estilo de vida. Reconhecida oficialmente como uma doença crônica multifatorial por diversas instituições internacionais e nacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Associação Médica Americana (AMA) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), a obesidade carrega implicações sérias para a saúde individual e coletiva.
Tratar a obesidade como doença é fundamental para garantir um olhar mais amplo, científico e empático sobre quem convive com essa condição. Ela deve ser tratada com responsabilidade, profissionalismo e livre de estigmas — e é esse o propósito deste texto: trazer informação de qualidade, baseada em ciência.
O que caracteriza a obesidade como doença
A obesidade é definida como o acúmulo excessivo de gordura corporal que pode prejudicar a saúde. Esse acúmulo está relacionado a um desequilíbrio energético prolongado: a ingestão calórica supera, por muito tempo, o gasto calórico do organismo. Esse processo envolve mecanismos hormonais, genéticos, ambientais e comportamentais.
A própria Organização Mundial da Saúde reconhece desde os anos 1990 que a obesidade é uma doença crônica, progressiva e recidivante, ou seja, que tende a se agravar com o tempo e que pode voltar mesmo após tratamento. A Associação Médica Americana, em 2013, também passou a considerá-la uma doença, o que impactou fortemente as políticas públicas de saúde, os planos de tratamento e a forma como os profissionais lidam com o tema.
Justificativas científicas para essa classificação
A obesidade afeta o metabolismo, interfere na função de diversos órgãos e aumenta o risco para mais de 200 complicações de saúde, incluindo:
- Doenças cardiovasculares (infarto, AVC, hipertensão);
- Diabetes tipo 2;
- Apneia do sono;
- Doenças osteoarticulares (como artrose de joelhos e quadril);
- Cânceres como o de mama, endométrio e intestino;
- Depressão, ansiedade e isolamento social.
Essas condições ocorrem porque o tecido adiposo em excesso passa a funcionar como um órgão endócrino, liberando substâncias inflamatórias, hormônios e citocinas que afetam o funcionamento geral do corpo. Esse é um dos pilares para sua classificação como doença: ela altera profundamente a fisiologia do organismo.
Tipos de obesidade
A obesidade pode se manifestar de diferentes formas, e compreender essa diversidade é essencial para um tratamento eficaz. As classificações mais comuns são:
1. Segundo o IMC (Índice de Massa Corporal)
O IMC é a relação entre peso e altura, e embora tenha limitações, ainda é um dos instrumentos mais usados na triagem inicial:
- IMC entre 25 e 29,9: sobrepeso
- IMC entre 30 e 34,9: obesidade grau 1
- IMC entre 35 e 39,9: obesidade grau 2
- IMC acima de 40: obesidade grau 3 ou severa
2. Obesidade visceral ou central
Refere-se ao acúmulo de gordura na região abdominal. Esse tipo é considerado o mais perigoso por estar diretamente associado ao aumento do risco cardiovascular e metabólico.
3. Obesidade sarcopênica
Acontece principalmente em idosos e associa o excesso de gordura com a perda de massa muscular. É um tipo de obesidade de alto risco, que pode levar à perda de mobilidade e maior risco de quedas.
Complicações da obesidade
As consequências da obesidade vão muito além do aumento de peso. A doença está associada a uma ampla gama de problemas que comprometem a saúde física e mental, além da qualidade de vida.
Entre as complicações mais comuns estão:
- Doenças cardiovasculares
- Diabetes tipo 2
- Hipertensão arterial
- Dislipidemias (colesterol e triglicerídeos elevados)
- Doença hepática gordurosa não alcoólica (esteatose)
- Infertilidade e irregularidades menstruais
- Cânceres associados ao excesso de gordura corporal
- Problemas articulares, especialmente nos joelhos e quadris
- Distúrbios respiratórios, como a apneia obstrutiva do sono
Tratamento: multidisciplinar, contínuo e individualizado
O tratamento da obesidade exige uma abordagem ampla, que vai muito além da simples recomendação de “comer menos e se exercitar mais”. É preciso considerar os aspectos biológicos, psicológicos, sociais e comportamentais de cada paciente.
Estratégias mais utilizadas:
- Mudanças no estilo de vida: alimentação equilibrada, prática regular de atividade física, sono de qualidade e controle do estresse;
- Acompanhamento psicológico: fundamental para lidar com a relação emocional com a comida, a autoimagem e os transtornos alimentares;
- Medicamentos antiobesidade: recomendados em casos específicos e com acompanhamento médico. Hoje há opções modernas com bons resultados, como agonistas do GLP-1 (semaglutida, tirzepatida);
- Cirurgia bariátrica: indicada para obesidade grau 3 ou grau 2 com comorbidades, quando os outros tratamentos não surtiram efeito.
A escolha do tratamento deve ser individualizada, respeitando a história e os objetivos de cada paciente. Não existe uma solução única — o cuidado precisa ser contínuo.
Combater o estigma: parte do tratamento
Um dos grandes desafios enfrentados por pessoas com obesidade é o estigma social. Infelizmente, ainda há uma visão equivocada que associa a obesidade à preguiça ou à falta de força de vontade. Esse preconceito gera impactos profundos na autoestima, saúde mental e adesão ao tratamento.
Diversas entidades, como a ABESO e a Obesity Society, alertam sobre a necessidade de uma mudança cultural: a obesidade deve ser tratada com empatia, ciência e acolhimento. Julgamentos e comentários inadequados atrapalham — e muito — o processo de cuidado.
Ao reconhecermos a obesidade como uma doença, ampliamos a forma como ela é percebida e cuidada, tanto pelo sistema de saúde quanto pela sociedade. Isso possibilita políticas públicas mais eficazes, planos de tratamento mais completos e, principalmente, acolhimento às pessoas que convivem com ela.
A obesidade é, sim, tratável. Mas para isso, precisamos parar de culpabilizar o indivíduo e começar a oferecer ferramentas reais de transformação.